Jorge Bertolaso Stella (1888-1980) nasceu em Pádua (Itália) filho dos camponeses Fortunato Bertolaso e Domenica Stella, ambos analfabetos. Em 1891, com três anos de idade, seus pais lançaram-se à aventura da imigração no Brasil, e se estabeleceram em um sítio em Mogi-Mirim (SP), onde o pequeno italiano passou toda sua infância. A difícil vida na roça o impediu de frequentar escolas na infância. Seu primeiro contato com as letras foi somente na adolescência, através de uma cartilha de alfabetização em italiano providenciada por um tio. Em 1902, aos 14 anos de idade, esteve pela primeira vez em uma Igreja Presbiteriana, convidado a participar de um culto. O adolescente impressionou-se com a mensagem e aderiu ao grupo. No dia 20 de outubro de 1903, aos 15 anos de idade, recebeu o batismo e professou sua fé conforme os ritos presbiterianos perante o rev. Ernesto Luís de Oliveira. [...] Em 1909, aos 21 anos de idade, transferiu-se para Jaú (SP), trabalhando em pequenos comércios e fazendo estudos preparatórios com o pastor local. Nessa época começam a se revelar seus dotes de educador, pois, mesmo com pouca instrução, já conseguia transmitir aulas de alfabetização em uma escola noturna para camponeses adultos que funcionava em uma fazenda. Aliando determinação e força de vontade a uma incomum inteligência, aplicou-se nos estudos teológicos a partir de livros que lhe eram enviados de São Paulo pelos pastores Eduardo Carlos Pereira e Vicente Themudo Lessa. É nessa época que começa também seu interesse pelo estudo das línguas, aplicando-se ao grego clássico e ao grego “koiné’. Anos mais tarde, ao ser empossado como Membro da Academia Evangélica de Letras, afirmou no discurso de posse que ele mesmo não tinha diploma algum, nem do Grupo Escolar, nem do Ginásio e nem mesmo do Seminário.
Em 1918, naturalizou-se brasileiro e, no mesmo ano, casou-se com a professora Iracema de Barros, com quem viveu até que esta veio a falecer, em 1968. No ano seguinte, em fevereiro de 1919, aos 31 anos de idade, foi licenciado ao pastorado, sendo designado para trabalhar na IPI de Santa Cruz do Rio Pardo (SP). [...] Cinco meses depois, no dia 13 de julho de 1919, foi ordenado ao ministério presbiteriano, recebendo o vasto campo da região de Sorocaba, no interior de São Paulo. Nessa cidade também exerceu o magistério, ensinando latim no Ginásio Municipal de Sorocaba durante anos e dando aulas particulares de grego, latim e teologia. Durante a década de vinte e o início da década de trinta, acumulou responsabilidades pastorais em regiões distantes para as possibilidades de locomoção da época, atendendo de cavalo, carroça e de trem às Igrejas de Santa Cruz do Rio Pardo, Óleo, Piraju, Fartura, Ourinhos, Chavantes, Assis, Turvinho, Porto Feliz, Tietê, Piracambuçu, Itapetininga, Curitiba, Antonina (PR), São Francisco do Sul (SC), até que em 1933 foi eleito para pastorear a maior igreja da denominação, a 1ª IPI de São Paulo, na qual permaneceu até sua morte, em 1980. Ainda durante a década de vinte, entrou em contato com Alfredo Trombeti, que lançara um livro sobre a unidade linguística, e passou a adquirir avidamente os livros mais recentes sobre Glotologia, Paleontologia, Arqueologia, Etnografia e Religiões Comparadas. Seu primeiro livreto foi lançado em 1927, com o título “Monogenismo linguístico – traços de glotologia comparada”, no qual defendia, a partir dos estudos de Trombeti, que todas as línguas derivavam de uma única fonte. Dedicou-se então ao estudo das línguas orientais, especialmente o sânscrito, para melhor compreender a literatura religiosa do hinduísmo. Aos poucos, adquiriu uma rara e preciosa biblioteca especializada no assunto, que foi doada ao Departamento de Línguas da Universidade de São Paulo em 1970. Detalhes dessa biblioteca e a importância de sua doação para a USP foram registrados pela professora Dra. Maria Luíza Miazzi, do Departamento de Línguas da USP, em artigo de 1976 na Revista Língua e Literatura. Miazzi considerou, à época, essa biblioteca como “prodigiosa e invejável” [...]
Jorge Bertolaso Stella pesquisou diversos temas ligados à história das religiões, filologia de textos sagrados, literatura mística e experiência religiosa, além de temas ligados mais especificamente à teologia cristã. Essas pesquisas solitárias e sem muitos interlocutores no Brasil da época se transformaram em pequenos livretos de divulgação. Considerando-se o autodidatismo e uma época na qual a própria metodologia da pesquisa científica em Ciências da Religião era inexistente no Brasil, é de se admirar o leque de temas abordados. Sua produção como escritor foi extensa, mas bastante dispersa. Até 1970, data em que foi empossado na Academia Evangélica de Letras, havia publicado 103 obras. Após essa data, publicou ainda cerca de 30 estudos.
Fonte: Calvani, Carlos. ‘Bertolaso Stella na fronteira entre Teologia e Ciência da Religião: um exercício de religiografia na pré-história da autonomia de duas áreas’. REVER: São Paulo, v. 19, n. 2, mai/ago 2019, 47-64.
Referências
A BHAGAVAD-GÎTÂ. Tradução de Jorge Bertolaso Stella. Coleção da Revista de história; 32. São Paulo, 1970.
Lista de publicações sobre Índia e Orientalismo [de acordo com Calvani]:
1929 - A língua dos heteus. Revista da Língua Portuguesa, n.º 57.
1929 - A língua dos elamitas . Revista da Língua Portuguesa, ano X, n.° 60.
1956 - Provérbios da Índia (Traduzidos diretamente pelo autor) (reeditado em 1971).
1957 - A língua sânscrita e a cultura.
1957 - Os Purâna.
1958 - O Rig-Veda.
1959 - A Gramática de Pânini.
1959 - O Atharva-Veda.
1960 - A descoberta dos papiros do Mar Morto.
1960 - A religião de Jina.
1961 - Os manuscritos do Mar Morto (republicado em 1972).
1963 - O hino cosmogônico do Rig-Veda.
1966 - “O Ramayana” - Revista ALFA, n.° 10, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marilia, 1966.
1967 - Bhagavad-Gita.
1968 - O Mahabharata” - Revista Letras n.° 16, Curitiba, UFPR, 1968.
1969 - Introdução às Upanishades.
1969 - O hino cosmogônico do Rig-Veda - Revista Letras n.° 17, Curitiba, UFPR, 1969.
1970 - Os Purana - Separata da Revista Letras n.° 18, Curitiba, UFPR, 1970.
1971 - As religiões da Índia.
1971 - Zoroastro, Buda e Cristo.
1972 - A Bhagavad-Gita e o Novo Testamento.
1972 - História do Indianismo
1973 - O Atharvaveda. Revista de Historia, n.° 96, S. Paulo, Departamento de História da USP.
1975 - Gramática Sânscrita.
1975 - As leis de Manu - Revista de Historia, n.° 103, São Paulo, Departamento de História da USP.
1976 - A filosofia da Bhagavad-Gita.
1978 - Estudos hindus.
1978 - Lao-tze e Tao-Te-King.
1980 - Hitspadexa: tradução completa da célebre coleção de fábulas indianas.
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